Discurso de ódio e violência contra minorias em Portugal preocupa Conselho da Europa

O relatório publicado esta quarta-feira pela Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância aponta para um “aumento acentuado” do discurso de ódio em Portugal, que visa sobretudo os migrantes, os ciganos, a comunidade LGBTQIA+ e pessoas negras. A entidade do Conselho da Europa faz algumas recomendações.

Manifestação do Dia Internacional da Mulher convocada pelo Movimento Democrático das Mulheres (MDM). Foto: Inês Saldanha/JPN

A European Comission against Racism and Intolerance (ECRI) alerta para o “aumento acentuado” do discurso de ódio em Portugal. Num relatório publicado esta quarta-feira, a entidade, que faz parte do Conselho da Europa, demonstra também “grande preocupação” com o “discurso inflamado utilizado por políticos de extrema-direita” e os casos de violência motivada por ódio que envolveram, por vezes, grupos neonazis.

A ECRI considera ainda que existem “lacunas significativas” no quadro jurídico, e que os crimes de ódio não são abordados de forma exaustiva pelas autoridades portuguesas.

Segundo os resultados do estudo, os mais visados pelo discurso de ódio são os migrantes, a comunidade cigana, a comunidade LGBTQIA+ e pessoas negras. Muitos dos interlocutores que se reuniram com a delegação da ECRI durante a visita referiam-se ao que consideravam como “trivialização” do discurso de ódio, muitas vezes sob pretexto de liberdade de expressão.

O relatório aponta para um aumento de 185% do discurso de ódio contra pessoas LGBTQIA+ nas redes sociais, entre 2019 e 2022. Entre 2020 e 2022, foram registados 469 relatos de casos de discriminação e violência contra esta comunidade, sendo que as pessoas transgénero foram particularmente visadas.

No caso do discurso de ódio contra as comunidades ciganas, o relatório faz referência a um inquérito da Fundamental Rights Agency (FRA) em que 46% dos inquiridos romani “já sofreram assédio motivado pelo ódio”. A ECRI sublinha que, no caso da comunidade cigana, o discurso de ódio é significativo “nas redes sociais e por políticos de extrema-direita” e que “envolve estereótipos”.

O discurso de ódio com motivações raciais “é também comum em Portugal”, lê-se no relatório. O documento faz referência a casos de vandalismo em escolas e universidades, com mensagens de natureza racista, assim como em paredes de instalações de organizações antirracistas. Durante a visita da ECRI a Portugal em 2024, a entidade ouviu alegações de que “a discriminação e o assédio são experiências comuns das pessoas negras, incluindo em espaços públicos como restaurantes e bares”.

Outro tema de preocupação para a ECRI é o “o aumento da xenofobia e do discurso de ódio anti-imigração”, que parece incidir principalmente em migrantes não europeus. Segundo a análise, “o discurso anti-imigração está muito presente nas discussões políticas, (…) da divulgação de informações erradas que associam os migrantes à criminalidade ou como um encargo para o sistema de segurança social português”.

A ECRI faz também referência a casos de discurso de ódio por intolerância religiosa, como o discurso anti-muçulmano — fazendo referência à marcha “contra a islamização da Europa”, organizada por grupos ultranacionalistas e de extrema-direita em fevereiro de 2024 — e discurso antissemita — afirmando que, na sequência dos acontecimentos de 7 de outubro de 2023, “há relatos de incidentes antissemitas durante manifestações”.

entidade europeia considera que “continuam a existir lacunas significativas no quadro jurídico”, relativamente ao discurso de ódio e violência, uma vez que “os agentes da polícia nem sempre registam os elementos de ódio quando recebem relatos ou queixas sobre incidentes”. Segundo a ECRI, “apenas alguns casos que são comunicados às forças policiais seguem para a fase judicial e ainda menos conduzem a decisões judiciais”, e que isso pode contribuir para “um sentimento de impunidade”.

Neste documento, são deixadas algumas recomendações, nomeadamente a necessidade de um plano de ação específico sobre a integração e a inclusão de migrantes. A entidade recomenda às autoridades portuguesas que concebam “medidas sólidas destinadas a combater o discurso e os crimes de ódio racista e anti-LGBTI, em consulta com um vasto leque de organizações da sociedade civil pertinentes”, assim como “o desenvolvimento de programas de formação destinados a todos os agentes da autoridade e outros profissionais da justiça penal”.

Os dados analisados neste relatório foram recolhidos até 18 de novembro de 2024. Esta é a sexta vez que a ECRI analisa Portugal relativamente a esta matéria. Para a elaboração destes relatórios, a entidade tem por base a análise de documentos, uma visita ao país que é alvo de análise e o diálogo confidencial com as autoridades nacionais.

Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI, na sigla inglesa) é uma entidade instituída pelo Conselho da Europa, dedicada à monitorização no domínio dos direitos humanos, especializada nas questões relacionadas com a luta contra o racismo, a discriminação, a xenofobia, o antissemitismo e a intolerância. No quadro das suas atividades estatutárias, desenvolve trabalhos de controlo e análise da situação de cada um dos Estados-Membros do Conselho da Europa no que respeita ao racismo e à intolerância e formula sugestões e propostas para o tratamento dos problemas identificados.

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